Castanheiro do Sul, Miradouro no Alto de São Domingos e Mural Artístico
domingo, 30 de novembro de 2025
sexta-feira, 24 de outubro de 2025
O Evaporar de Vidas
"Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que senti outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espetáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu."...
Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego
quarta-feira, 22 de outubro de 2025
O Desalento de Estético
Estética do desalento
"Já que não podemos extrair beleza da vida, busquemos ao menos extrair beleza de não poder extrair beleza da vida. Façamos da nossa falência uma vitória, uma coisa positiva e erguida, com colunas, majestade e aquiescência espiritual.
Se a vida [não] nos deu mais do que uma cela de reclusão, façamos por ornamentá-la, ainda que mais não seja, com as sombras de nossos sonhos, desenhos a cores mistas esculpindo o nosso esquecimento sobre a parada exterioridade dos muros.
Como todo o sonhador, senti sempre que o meu mister era criar. Como nunca soube fazer um esforço ou ativar uma intenção, criar coincidiu-me sempre com sonhar, querer ou desejar, e fazer gestos com sonhar os gestos que desejaria poder fazer..."
Fernando Pessoa, O Livro do Desassossego
Maofotos - Outono no Jardim 2025
terça-feira, 14 de outubro de 2025
O Viajante de Inverno Numa Noite Se
Início do romance Se Numa Noite de Inverno um Viajante de Italo Calvino. O autor conscientemente através da escrita interage com o leitor inconscientemente através da leitura. Isto promete!
"Estás para começar a ler o novo romance Se Numa Noite de Inverno um Viajante de Italo Calvino. Descontrai-te. Recolhe-te. Afasta de ti todos os outros pensamentos. Deixa esfumar-se no indistinto o mundo que te rodeia. A porta é melhor fecha-la; lá dentro a televisão está sempre acesa. Diz aos outros: «Não, não quero ver televisão!». Levanta a voz, senão não te ouvem: «Estou a ler! Não quero que me incomodem!». Não devem ter-te ouvido, com aquele barulho todo; fala mais alto, grita: «Estou a começar a ler o novo romance de Italo Calvino!» Ou se não quiseres não digas nada; esperemos que te deixem em paz.
Arranja a posição mais cómoda: sentado, estendido, enroscado, deitado. Deitado de costas, de lado, de barriga. Na poltrona, no sofá, na cadeira de baloiço, na cadeira de praia, no pufe. Numa cama de rede, se tiveres alguma cama de rede. Em cima da cama, naturalmente, ou dentro da cama. Até podes pôr-te de cabeça para baixo, em posição de yoga. Com o livro virado ao contrário, bem entendido."...
"... Renunciar às coisas é menos difícil do que se pensa: tudo está no começar. Depois de conseguires prescindir de uma coisa que julgavas essencial, reparas que também podes passar sem outra coisa, e depois ainda sem muitas outras coisas mais... "
Italo Calvino, Se Numa Noite de Inverno Um Viajante
terça-feira, 30 de setembro de 2025
segunda-feira, 15 de setembro de 2025
O Ser de Mãe Atual
"... . Falava-se num processo especial feito aos lorpas daquela clínica com os quartos virados para o Índico, a troco do triplo do valor. Uma casa de fazer contas, e não de fazer operações, consultas e partos. Deviam ter uma prensa, um molde, e fabricar dinheiro directamente em vez de o extorquirem de forma tão vil. A insensibilidade duma clínica daquele tipo deveria levá-la ao encerramento. Tinham deixado uma mulher ter um filho e rasgar até ao esfíncter superior anal por causa duns milhares de escudos a depositar à entrada. Como se pessoas decentes, e parturientes com um saco preparado desde meses, fossem vigaristas encartadas. ..."
Lídia Jorge, A Costa dos Murmúrios
Tão atual o que se passava na África Colonial com o que se passa hoje em Portugal Continental.
O Murmúrio de Costa
"... . Eu não gostava de quebrar o silêncio, não porque não houvesse com quê, mas porque o silêncio falava, era mais articulado que a voz. Um murmúrio provindo da aragem invisível ondulava no ar com as ondas amplas, e falava, mas tudo para se ouvir imensamente pouco. ..."
Lídia Jorge, A Costa dos Murmúrios
Esta narrativa grita a Guerra Colonial com murmúrios lastimáveis dos acontecimentos reais.





