Continuação da crónica "O Assassinato de Sócrates" do livro: "Crónica dos dias bons" de Mário Anacleto.
"Implacáveis, os seus adversários e inimigos crescem em número exorbitante em toda a cidade, constituindo autênticos lobbies escondidos cuja pressão sobre os governantes os levará a desencadear uma perseguição sem precedentes que culminará numa acusação, como tantas que o mundo conhece, caluniosa, não fundamentada, injusta e completamente capciosa. O destabilizador de uma estrutura instalada (constituída pelos visionários e pelos intérpretes dos oráculos) deverá engolir o que anda a dizer… pode lá tolerar-se que alguma vez venha a repetir que os homens da cidade, os que se preparam para governá-la, exibem todos os triunfos aparentes de homens sábios e de grandes comunicadores, de sábios e hábeis na articulação dos conceitos mas não têm visão, nem estratégia, nem amor à camisola para poderem arcar com tais responsabilidades de governo? Pode lá aceitar-se que ouse dizer que a sua conduta lhe é inspirada por algo apenas seu que lhe inspira também a acção diária? Num reino de estúpidos são estes sempre, e de modo persuasivo, se afirmam senhores da verdade e da justiça desinteressada. “Conseguem emprestar enorme convicção às suas teorias ao convencer-se se que são autores da verdade – o que os defende, alem disso, contra as investidas dos que, possessos do amor à novidade e à criatividade, pretendem retirar-lhes os direitos de autor.
"O melhor de tudo acontece, todavia, quando os doutos estúpidos são proprietários da realidade. Nesse caso, os que vierem ter com eles imbuídos de ideias largas ou, quem sabe, até mesmo abertos a conhecimentos oriundos das mais diversas fontes (e não só do bairro intelectual deles) serão, com certeza, ladrões. Deverão, consequentemente, ser presos dado que ninguém deve prejudicar um douto estúpido, roubando-lhe a sua realidade, sem ficar impune. É por isso que a inteligência costuma ser objecto de censura e punição pelos estúpidos: sendo ela uma ladra que tenta constantemente retirar-lhes o que lhes pertence para restitui-lo ao plano universal, merece bem o desprezo de que sejam capazes."
(vide Vítor J. Rodrigues, “Teoria Geral da Estupidez Humana”, pág. 89). Por isso ele continua a declarar, sem medo, que “é essencial levar estes homens à consciência da sua ignorância, do seu erro e contradição a fim de que a vergonha e o mal-estar que experimentam ao serem refutados os façam sentir vergonha e sobretudo o desejo de aprender…”, pois que é o conhecimento que lhes falta e a sabedoria que lhes mingua."
continua…