Uma Razão de Ser em Paços de Brandão
|
"Lembro-me de repente de quando era criança, e via, como hoje não posso ver, a manhã raiar sobre a cidade.
|
|
Ela então não raiava para mim, mas para a vida, porque então eu (não sendo consciente) era a vida.
|
|
A criança ficou mas emudeceu. |
|
Vejo como via, mas por detrás dos olhos vejo-me vendo; |
|
E só com isto se me obscurece o sol e o verde das árvores é velho e as flores murcham antes de aparecidas.
|
|
Sim, outrora eu era de aqui; |
|
Hoje, a cada paisagem, nova para mim que seja, regresso estrangeiro, hóspede e peregrino da sua presentação, forasteiro do que vejo e ouço, velho de mim.
|
|
Já vi tudo, ainda o que nunca vi, nem o que nunca verei. |
|
No meu sangue corre até a menor das paisagens futuras, e a angústia do que terei que ver de novo é uma monotonia antecipada para mim.
|
|
Aquelas somas de fatos que, para os homens vulgares, inevitabilizariam o êxito, têm, quando me dizem respeito, um outro resultado qualquer, inesperado e adverso.
|
|
Tenho construído em passeio frases perfeitas de que depois me não lembro em casa. A poesia inefável dessas frases não sei se será parte do que foram, se parte de não terem nunca sido."
(Fernando pessoa in O Livro do desassossego)
|
Maofotos - Paços de Brandão 2017
Sem comentários:
Enviar um comentário