terça-feira, 24 de março de 2009

Burro de Pensamento

O burro que pensava

Na orbe da Xicolândia, aquela espraiada terra plantada à beira mar, vivia um pobre diabo, forte de espírito, fraco de dinheiro e honesto agricultor, lavrava, semeava e plantava, vivia de tudo o que a terra lhe dava depois de trabalhada, de nome Xico Pobre.
 Solitário tinha como companhia e o seu bem mais precioso um Burro, que, para além de ajudar nas lides da terra era a única companhia que tinha e por quem tinha uma grande estima, até porque foi herança dos pais. O pai não o chegou a conhecer, a mãe senhora humilde e respeitada por todas as pessoas morreu cansada de trabalhos com uma idade considerada.
Um dia, o Xico Pobre adoeceu depois de um dia de trabalho exaustivo à chuva. Apanhou uma gripe que passou a pneumonia e não fosse o Xico Pastor que todos os dias passava com o seu rebanho perto da casa a dar conta da sua ausência, as consequências podiam ser bem piores, falou com o Xico Prior que sabia de curas que encontrou no caminho e por sua vez alertou o Xico Doutor que de pronto consultou e medicou o Xico Pobre com uma semana de cama sem se levantar e sem poder sair de casa. A delirar com febres altíssimas assim foram passando os dias até que recuperou totalmente. Foi então que se lembrou do Burro e que estava há tantos dias sem comer nem beber. Encheu um balde de aveia e outro de água e correu até à casa onde estava alojado Burro. A casa era de madeira com uma janela virada para o vale mais próximo por onde serpenteava tranquilamente um pequeno riacho de águas límpidas e calmas rodeado por montanhas e serras. Chegado perto do Burro que mal se tinha de pé tão desnutrido que estava, postou os baldes com comida e água lado a lado na sua frente e afagando-o incentivou-o a banquetear-se. Olhando para o balde da comida o Burro pensava, estou com tanta fome  que vou comer aquela aveia de uma assentada, mas, ao mesmo tempo olhava para o balde da água e pensava, estou com tanta sede que vou beber toda aquela água de uma assentada, enquanto pensava, o Xico Pobre pensando que o Burro não comia nem bebia, talvez por não gostar da aveia seca resolve ir ao quintal apanhar uma braçada de couves frescas e suculentas, levou-as ao Burro e ofereceu-as como quem oferece uma esmola a um pedinte esfomeado e a morrer em pé, o Burro olhou para as couves e pensava, estou com tanta fome que vou comer aquelas couves de uma assentada, mas, ao mesmo tempo olhava para a aveia e pensava, estou com tanta fome que vou comer aquela aveia de uma assentada, mas, olhava para a água e pensava, estou com tanta sede que vou beber aquela água de uma assentada, enquanto pensava, o Xico pobre pensando que não gostava do que lhe tinha trazido para comer resolve ir ao quintal e apanha um molho de suculentas e tenras cenouras de cor rosada e leva-as ao Burro com toda a humildade de quem oferece algo a um amigo que muito estima, o Burro olhou para as cenouras e pensava, estou com tanta fome que vou comer todas aquelas cenouras de uma assentada, mas, ao mesmo tempo olhava para as couves e pensava, estou com tanta fome que vou comer aquelas couves de uma assentada, mas, olhava para a aveia e pensava, estou com tanta fome que vou comer aquela aveia de uma assentada, mas, olhava para a água e pensava, estou com tanta sede que vou beber aquela água de uma assentada… de repente para o lado tombou e nunca mais pensou, enquanto tombava o Xico Pobre soluçava e o Burro já não pensava.
Moral da história, morre o burro a pensar ou a pensar morreu o burro!


Maofoto -  Burro Pensador, Paços de Brandão

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